Acabar. Recomeçar.
Quem acaba uma relação conhece todo o processo que se lhe segue. Pode ser mais ou menos difícil, mais ou menos doloroso, mais ou menos complicado, mas a coisa não varia muito de caso para caso. Há o período das lágrimas (claro que isto depende muito de quem põe um ponto na relação), da falta de vontade de comer, da sensação de injustiça, das perguntas dramáticas ("porque é que ninguém gosta de mim, porquê, porquê?", "o que é que eu fiz para merecer isto?"), das certezas categóricas ("éramos feitos um para o outro", "se não for ele/a não é mais ninguém", "a minha vida sem ele/a não faz sentido"), e das promessas imperativas ("nunca mais me vou apaixonar", "nunca mais vou sofrer por amor", "nunca mais vou apostar tanto em alguém", "nunca mais quero uma relação").
Esta fase tem uma duração indeterminada, com picos de humor. Nuns dias pensa-se que a coisa está mais que ultrapassada, que foi melhor assim, que muitas outras oportunidades surgirão, que ainda bem que aquilo acabou porque, afinal, já nem se era assim tão feliz quanto isso e ainda há tanta gente nesse mundo para se conhecer, que somos pessoas muitíssimo especiais e que se ninguém dá valor a isso, azarucho. E há outros em que a tristeza nos acerta em cheio, tipo camião, baaaam, e se volta ao choradinho de sempre e ao nó no estômago (bem bom para a dieta), e às saudades, e à vontade de reconciliação, e ao sentimento kalimeriano ("devo ser mesmo uma merda para ninguém gostar de mim"). Às vezes estas variações de humor nem sequer duram dias. Em 24 horas passa-se por verdadeiras montanhas-russas emocionais, ai que agora estou tão bem, ai que agora estou tão na merda, numa esquizofrenia pegada.
Pelo meio disto, vai-se dando ouvidos a quem nos rodeia. Sim, que em alturas destas toda a gente tem sempre uma opinião a dar, sempre muito acertada, sempre muito segura, sempre muito "vai por mim que eu é que sei". E se uma pessoa não tiver dois dedos de testa (eu não tenho, lamento) para fazer uma triagem acertada de tanto conselho, acaba por dar em louca. Liga-lhe, não lhe ligues, mantém-te presente, afasta-te de vez, não percas a esperança, esquece que ele existe, faz uma surpresa, sê fria e bruta, sê querida e amiga, dá-lhe desprezo, mostra-te compreensiva, fura-lhe os pneus, ainda te vai surpreender, sempre soube que era um traste, dá-lhe espaço, não abras mão, ele volta, ele deve é ter outra.
Enquanto se pensa na atitude certa a adoptar, há dois caminhos a seguir:
1) Ficar em casa, entregue à solidão, com uma caixa de Kleenex ao lado, o dvd a passar comédias românticas que enfatizem ainda mais o drama que é a nossa vida. Recusar programas para sair, olhar para o telemóvel a cada 4 segundos, pensar que pode estar avariado e que é por isso que não toca, dar um salto à net para espreitar o messenger, voltar para cama e chorar mais um bocadinho. Tentar dormir para o tempo passar mais depressa. Acordar, não ver sinal de mensagem no telemóvel, voltar a chorar. Sair da cama apenas para o reabastecimento de lenços de papel. E para espreitar o messenger.
2) Ocupar todos os segundos do dia, agendar saídas de segunda a domingo, estar sempre a perguntar aos amigos se não há planos, marcar fins-de-semana, projectar viagens, ir dando sempre uma vista de olhos ao telemóvel, que isto nunca se sabe, quando uma pessoa menos espera é quando ele toca. Se o telemóvel puder ficar em casa, tanto melhor.
3) Eu sei que disse que havia dois caminhos a seguir, mas afinal há três, que é um misto dos dois primeiros. Conforme a disposição do dia, apetece que ninguém nos diga nada e nos deixem morrer sozinhos, numa valeta, ou então dá-nos para a hiperactividade e para a tal necessidade de estar sempre a fazer coisas para ocupar a mente.
Depois é o regresso ao mercado, que é como quem diz, voltar a ter encontros. Isso pode acontecer ao fim de uma semana ou só ao fim de muitos e penosos meses, conforme o nível de auto-estima e depressão. Quando se está infeliz e miserável pensa-se que é mesmo disso que se precisa. Novas pessoas, novas caras, novos corações, novas teorias, novas gargalhadas (ou então não, finca-se pé na tal ideia atrás referida que se não é ele/a então não é mais ninguém, e não há volta a dar). E, quando se está melhorzinho, também.
Quando uma relação acaba o universo põe-se em movimento. Pensa-se em casos passados, dá-se uma vista de olhos à lista de contactos, fazemos um esforço de memória para pensar em quem é que nos arrastou a asa nos últimos seis meses. As amigas percorrem a lista de conhecidos que podem ser potenciais novos amores. Pedem aos maridos e namorados que arranjem alguém para a amiga encalhada. "Eh pá, tinha alguém mesmo perfeito para ti, mas parece que arranjou namorada há dez minutos. Que pena". Ou "não arranjes ninguém, tenho o homem da tua vida. Tem 1,50m... há problema?".
Voltar ao mercado dá trabalho. Não só porque as exigências são cada vez maiores (a minha lista, pelo menos, é interminável), mas porque, e sobretudo, também há cada vez menos gente que corresponda àquilo que se quer. E também há muito, mas menos muito pachorra. Descobrir alguém é a melhor coisa do mundo. Os primeiros cafés, jantares, idas ao cinema. Os primeiros beijos, se a coisa correr mesmo muito bem. Mas também dá uma trabalheira desgraçada, e acho que é isso que me faz pensar que mais vale ir directamente para freira carmelita. Voltar a contar a nossa vida toda, os nossos gostos, os nossos objectivos de vida, em que infantário se andou. O bom de uma relação de algum tempo é que já se conhece a outra pessoa, já há cumplicidade, intimidade, compreensão, amor e amizade. Voltar recorrentemente à estaca zero é extenuante, é como se nos enfiassem numa montra e agora vá, vende-te, explica lá mais uma vez porque é que és uma boa escolha para a vida, porque é que alguém deve pegar em ti e levar-te para casa.
Quando uma relação chega ao fim (é disso que se tem estado a falar, só para não perderem o fio à meada) é fácil cair no desespero. Marcar 4 encontros por semana, fazer sexo tresloucado com o(s) primeiro(s) que se chegar(em) à frente, procurar o amor em cada esquina, dar com a cabeça nas paredes, ficar ainda mais miserável e só do que aquilo que se estava antes porque, já se sabe, tentar substituir o amor por sexo raramente tem bons resultados práticos. Claro que há aqueles casos muitíssimo raros e exóticos (eu conheço um ou outro e são a minha fonte de esperança e inspiração) de gente que acaba uma relação com alguém por quem era capaz de morrer e, ao fim de uma semana, tufas, aí está um novo amor, ainda maior, correspondido e que pode ser muito bem O verdadeiro amor, the one and only.
E há quem seja mais calmo, ponderado, seja porque acredita nas virtudes do tempo e das atitudes racionais, seja porque ainda tem esperança que a antiga relação renasça das cinzas. Vai ficando ali, "não, obrigada, não aceito sair contigo porque ainda não ultrapassei toda a minha dor, o meu período kármico, e não há qualquer possibilidade de me vir a interessar por ti nem por ninguém, pelo menos nos tempos mais próximos. Desculpa". E, óbvio, há quem não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra, e que, mesmo achando que dificilmente se voltará a encontrar alguém especial a curto prazo, também não fecha portas, mais não seja porque fazer amigos é sempre bom, mais não seja porque dar um ou outro beijinho na boca é bom e faz bem à saúde (sem compromisso algum), mais não seja porque se não se conhecer gente nova e não se fizer por isso, então é que não há mesmo possibilidade de o amor bater à porta e nós estarmos lá para abrir, knoc knoc. Gosto de acreditar que estou neste lote, o das pessoas relativamente equilibradas mas prontas a cometer uma qualquer loucura, se se proporcionar, se me apetecer, porque não?
O que eu sei, à conta de tantas vezes ter pegado no coração e o atirar contra uma parede, é o que toda a gente sabe mas poucos acreditam. Tempo. É a cura, é a solução, é a luz ao fundo do túnel. O que se vai fazendo com ele é que é pior. Eu não sou exemplo para ninguém, que tantas vezes (vezes demais) tenho preferido usar o tempo para me impacientar e lamentar a minha sorte, em vez de me dedicar a pensamentos e atitudes mais positivas. Mas, de alguma forma, a coisa mudou. A cada desgosto de amor já não tenho vontade de cuspir no olho de cada ser que me diz "isso vai lá com o tempo. Tudo passa, tudo se esquece. Isso agora é tempo". Pois é. E é um alívio saber disso (o que é diferente de achar que é fácil viver com isso). Perfeito, perfeito era se se soubesse QUANTO tempo. Quanto tempo até voltarem as borboletas no estômago (em vez do cabrão do nó), até já não se ter vontade de gritar a quem nos amarfanhou a alma (só se tem vontade de gritar e dizer coisas más enquanto ainda se gosta, depois já nem nos lembramos disso), até se saltar da cama com vontade, até se estar pronto para partir a cara mais uma vez. Ou talvez não, que há relações de sorte.
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